segunda-feira, 28 de maio de 2012

A “escola” do falsificador. Artigo de Camila Frésca no blog do Hassel Mendel


Depois de ler a crítica do colega Leonardo Martinelli sobre André Rieu – com a qual concordo plenamente, por sinal – e conferir a repercussão do texto no mundo virtual, fiquei pensando no assunto e me lembrei de alguns relatos que, em outro contexto, tratam de situações bem parecidas. São textos que descrevem concertos do século XIX e surpreendem à primeira leitura. Afinal, pode-se pensar que esta espécie de vulgarização ou banalização da música clássica seja coisa recente, fruto de uma sociedade massificada e voltada para o espetáculo. Mas não pensem que os artistas e o público do século XIX eram todos sofisticados e cultivavam a “alta” cultura de forma idealizada. Muitas das apresentações de música clássica da época mais pareciam números de circo, com intérpretes fazendo todo tipo de bizarrices e executando um repertório de gosto extremamente duvidoso.

Vejamos por exemplo duas situações narradas no livro Storia della musica nel brasile – dai tempi colonial sino ai nostri giorni, do italiano Vincenzo Cernicchiaro. O músico, que viveu por muitos anos no Rio de Janeiro, atuou como violinista e professor e publicou sua história da música em Milão em 1926. Trata-se de um registro importantíssimo das atividades musicais do país, principalmente do século XIX. Como era violinista, Cernicchiaro dedicou atenção especial a essa categoria. No capítulo “Dos violinistas nacionais e estrangeiros (1844-1925)” ele afirma que, em 1845, um tal de Agostino Robbio (provavelmente italiano) deu alguns concertos no Rio de Janeiro. Num deles, o repertório era composto por obras como “Casta diva” de Norma; um “tema com variações para rabeca sobre motivos da ópera Sonnambula”; e “variações burlescas sobre motivos das valsas de Strauss”. Já sobre outro dos concertos de Robbio, um crítico da época escreveu: “As imitações do cantar dos pássaros, do ornejar do jumento e outras que ele faz com a perfeição conhecida pelas que tem ouvido, acrescentou a do chiar dos carros de transportar madeira etc., com espantosa semelhança”.

Outro exemplo é Antonio Saenz, violinista alemão que chegou ao Rio igualmente em 1845. Segundo Cernicchiaro, em seu programa de concerto, ao lado de peças triviais, estavam variações de Paganini tocadas numa corda, com a particularidade de que “o beneficiado tocará algumas delas com uma bengalinha (?!) em vez de arco; e, por último, as grandes variações ou miscelânea do concertista, executadas em 14 instrumentos...”. Após essa informação inusitada, uma nota à margem do programa esclarecia: “Bem convencido está o beneficiado de que é árdua a empresa da execução dos indicados instrumentos, posto que a variedade das embocaduras nos de vento, e os diferentes diapasões de cordas, apresentarão dificuldades gravíssimas, tais que o beneficiado se persuade que, pelo menos na América, é ele o primeiro que tem podido vencê-las; todavia conta com a indulgência generosa de um público tão inteligente e benévolo como o fluminense”. Ou seja, a promessa era de um espetáculo bizarro e de uma demonstração de virtuosidade em vários instrumentos. Porém, o músico já pedia de antemão a “indulgência generosa” do público, caso não desse conta de tanta estripulia...


Mas o registro que mais se aproxima do que faz André Rieu hoje em dia encontrei em outro livro de referência, 150 anos de música no Brasil, de Luiz Heitor Corrêa de Azevedo. Tratando do mesmo período, ele conta: “André Gravenstein, holandês que chegou ao Rio de Janeiro em 1859, fundou e teve grande êxito com os chamados ‘Concertos à Musard’, em que imitava os processos excêntricos que haviam feito a fortuna de Philippe Musard no Théâtre des varietés, de Paris (...) Com a sua orquestra de doze trombones cantantes e 14 cornetins, transformando em quadrilhas e galopes alucinantes os motivos de ópera mais em voga, ele criava, na sala de baile, uma atmosfera de delírio (...) Ao som de uma orquestra de cem executantes, a jeunesse dorée fluminense dançava a célebre quadrilha Chicocandou e ouvia os números de concerto enxertados no programa, inclusive solos de violino executados pelo próprio Gravenstein”. Está aí a ‘escola’ de Rieu” – ironicamente, os personagens de ontem e de hoje são similares até no nome...

Com a massificação dos produtos culturais e os eficientíssimos meios de comunicação que possuímos hoje, algumas coisas tomam dimensões verdadeiramente assombrosas, mas isso não significa que passaram a existir somente agora. Espetáculos popularescos e criados para ser em primeiro lugar um negócio lucrativo existem há muito. E outra questão que me ocorreu foi: será que o violino seria especialmente propício a este tipo de arte marqueteira e malabarística? Afinal, deixando de lado a música (que ainda assim não pode ser comparada à de um Beethoven ou Bach) e pensando somente nas lendas que envolvem Paganini, logo vem à mente as histórias de que ele chegava aos concertos coberto por um manto negro numa carruagem puxada por cavalos negros; que seu som e suas acrobacias ao violino eram tão extraordinários que as senhoras chegavam a desmaiar durante os concertos; e que, em algumas apresentações, misteriosamente, as cordas de seu violino estouravam uma a uma, restando-lhe apenas a Sol: mas ele continuava tocando, gloriosamente, até o final da música, para o espanto da audiência. A se pensar...


Camila Frésca - é jornalista e doutoranda em musicologia pela ECA-USP. É autora do livro "Uma extraordinária revelação de arte: Flausino Vale e o violino brasileiro" (Annablume, 2010)



Fonte: http://www.concerto.com.br

sábado, 26 de maio de 2012

Cancelamentos

Anna Netrebko
Anna Netrebko
 A temporada de festivais mal começou no Hemisfério Norte e notícias de cancelamento já agitam o mercado. Primeiro foi Anna Netrebko, que após cancelar récitas de Don Giovanni, em Berlim, e de “I Capuleti ei Montecchi”, de Bellini, em Munique, não vai mais se apresentar no Whitsun Festival de Salzburg. Agora, o tenor Jonas Kaufmann, depois de cancelar algumas récitas de “A Valquíria” no azarado “Anel” do Metropolitan de Nova York, acaba de abandonar a programação do Festival de Lucerna, onde faria recitais. No caso dele, a imprensa suíça não perdoou. Se estava com problemas na voz, por que cantou, no sábado passado, antes da final da Liga dos Campões, em Munique? O cantor correu à imprensa para esclarecer que, na cerimônia, apenas dublou uma gravação feita tempos antes. “Se tivesse que cantar ao vivo, também teria cancelado”, disse, acrescentando que não recebeu um centavo pela performance.

Jonas Kaufmann
Jonas Kaufmann
Kaufmann tem um histórico grande de cancelamentos – e por conta disso a todo instante surgem boatos sobre sérios problemas em sua voz. O fantasma do cantor que, por excesso de compromissos, destrói a voz cedo demais nunca deixa de rondar o mercado da ópera. Até porque fez vítimas recentemente – que fim levou José Cura? Isso para não falar de Rolando Villazón, que passou de novo Plácido Domingo a cantor de segundo time em questão de meses, lutando com um problema nas cordas vocais – sua recente gravação do Werther, de Massenet, em Londres, símbolo de seu “retorno” revela um vibrato insistente e uma afinação precária. Talvez por isso, cancelamentos ocasionais sejam uma medida mais sensata do que cantar demais, mesmo quando não se sente à vontade. Para o público, é frustrante mas, é como disse o barítono Renato Bruson, em recente passagem por São Paulo. “Os artistas desaprenderam uma lição importantíssima: a coragem de dizer não. Nos últimos anos assisti a bons cantores, vi dois ou três barítonos que me empolgaram. Onde estão hoje? Com problemas vocais. Canta-se demais. Eu me lembro, nos anos 80, de cantar Otello com Plácido Domingo em Buenos Aires. Ele cantava à noite, pegava um avião, ia para a Europa cantar. Voltava dois dias depois, fazíamos mais uma récita de Otello. Então, pegava de novo seu avião e ia para os Estados Unidos.” O problema, completou, é que nem todo mundo tem a voz – e a inteligência – de Domingo.


Fonte: estadao.com.br

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Jessye Norman se apresenta amanhã na BBC Radio 3

A lendária soprano americana, Jessye Norman, se apresentará ao vivo amanhã no “In Tune” da BBC Radio 3. Vencedora de inúmeros prêmios, incluindo o “Grammy Lifetime Achievement Award” de música clássica e inúmeras célebres performances, Jessye Norman é uma das grandes sopranos wagnerianas da atualidade.

Além disso, ainda teremos o virtuoso trompetista sueco Hakan Hardenberger, descrito como “o mais limpo e sutil trompetista da Terra” tocando ao vivo nos estúdios da BBC, enquanto se prepara para comemorar seu 50º aniversário no Cadogan Hall, em Londres.

O programa Irá ao ar amanhã às 16:30 (12:30, horário de Brasília), e terá duração de 2 horas. Para ouvir, basta acessar o site da BBC Radio 3 ou clicar aqui.

Atualização (10/05/2012 - 20:40):
O programa foi ao ar hoje, mas você ainda pode assistir dentro dos próximos 7 dias clicando aqui.


Fonte: http://www.bbc.co.uk/radio3/

segunda-feira, 7 de maio de 2012

RioHarpFestival movimenta o Rio de Janeiro até final do mês

Kaori Otake
O projeto Música no Museu, que tradicionalmente leva uma programação mensal ao Rio de Janeiro e outras cidades, desta vez promove o RioHarpFestival, que chega à sétima edição. Harpistas de 25 países tocam em apresentações solo ou acompanhados por grupos. O festival, que já é referência internacional no circuito mundial da harpa, vai até o final de maio em apresentações diárias em diversos espaços culturais da capital carioca, em um total de mais de 80 apresentações.

Grandes nomes do instrumento passam pelos palcos cariocas, como a japonesa Kaori Otake, o português Mário Falcão, a italiana Marcella Carboni e a alemã Silke Aichhorn, além dos brasileiros Gustavo Beaklini, Vanja Ferreira e Suélen Sampaio. O festival permite que o público acompanhe uma grande variedade de repertórios para harpa. Desde compositores eruditos, como Tchaikovsky, Liszt e Bach, passando por canções populares de Vinicius de Moraes, Cartola e Gardel, até a improvável intersecção da harpa com o rock, como no caso do concerto do dia 18, no Centro Cultural da Justiça Federal, de Celso Lazarini (flauta) e Jonathan Faganello (harpa), que apresentam músicas do Pink Floyd e Deep Purple, entre outras bandas.


Fonte: http://www.rioharpfestival.com/http://www.concerto.com.br

sábado, 5 de maio de 2012

Fundação Osesp anuncia programação do 43º Festival de Inverno de Campos do Jordão

Marcelo Lopes, Marcelo Araújo e Artur Nestrovski
Marcelo Lopes, Marcelo Araújo e Artur Nestrovski
Em coletiva de imprensa realizada quarta-feira (2/5) na Sala São Paulo, o secretário de Cultura Marcelo Araujo, o diretor executivo Marcelo Lopes e o diretor artístico Arthur Nestrovski anunciaram as linhas gerais e a programação do 43º Festival de Inverno de Campos do Jordão. A abertura será dia 30 de junho no Auditório Claudio Santoro, com um concerto da Osesp, Coro da Osesp, Coral Paulistano e participação de solistas estrangeiros, sob direção do maestro Thomas Dausgaard, em apresentação da Missa Solemnis de Beethoven.

A realização do Festival de Campos do Jordão passa agora a ser feita pela Fundação Osesp, que substitui a Santa Marcelina Cultura responsável pelas últimas duas edições. Apesar dessa decisão ter sido tomada há apenas poucas semanas – e a despeito da complexidade de planejamento e produção que um evento dessa natureza demanda – é bem ambiciosa e programação apresentada: serão cerca de 60 concertos com artistas como Marin Alsop, Nelson Freire, Sarah Chang, Antonio Meneses, Giancarlo Guerrero, Johannes Moser, Sir Richard Armstrong, Fábio Zanon, Nelson Goerner, Isaac Karabtchevsky, Hagai Shaham, Quarteto Vogler, Nathan Gunn e outros.

A novidade fica por conta da mudança na área pedagógica, que passa a ter como foco a atividade orquestral – a sinfônica formada por alunos fará três programas distintos ao longo do festival. “Montamos a programação em torno de três eixos principais”, explicou na quarta o diretor artístico do festival, Arthur Nestrovski. “O primeiro diz respeito à orquestra dos bolsistas; o segundo, aos professores que também farão concertos; e, por fim, artistas convidados, que vão apenas se apresentar, com destaque para os principais conjuntos sinfônicos e de câmara brasileiros.”

A orquestra dos bolsistas será comandada por três maestros. Na primeira semana, rege o grupo Sir Richard Armstrong, em programa que tem obras de Wagner, Mahler e Dvorak; na segunda, será a vez de Giancarlo Guerrero, com obras de Dvorak, Chapela e Bernstein; e, no terceiro, assume o grupo Marin Alsop, com peças de Mozart, Camargo Guarnieri e Bartok. Os concertos serão realizados em Campos do Jordão e na Sala São Paulo; a itinerância pelo Estado, instituída no ano passado, foi abolida. “Para nós parece mais interessante, do ponto de vista de experiência artística, que os músicos se apresentem em um palco como a Sala São Paulo, com maestros de peso.”

Os três maestros – assim como o pianista Nelson Freire e o violoncelista Johannes Moser, que serão os solistas dos concertos da orquestra do festival – também participam da temporada da Osesp; da mesma forma, muitos dos professores vêm da orquestra. “Nesse primeiro ano, até por uma questão de tempo, acabamos nos valendo de quem já estaria aqui por conta da temporada da Osesp”, diz Nestrovski. A Osesp fará três programas em Campos, entre eles a abertura (Missa Solene, de Beethoven, regida por Thomas Dausgaard) e o encerramento (programa com Ives, Britten, Adams e Shostakovich, com Carlos Kalmar e o barítono americano Nathan Gunn). Músicos como o violoncelista Antonio Meneses, os pianistas Ewa Kupiec, Nelson Goerner e José Feghali, o flautista Jacques Zoon e o trompetista Ole Edward Antonsen estão entre os artistas convidados, que farão apresentações e darão aulas e masterclasses. A violinista Sarah Chang não dará aulas, mas fará concerto com a Filarmônica Jovem da Colômbia. Entre os grupos brasileiros, estão a Sinfônica Municipal de São Paulo, a Experimental de Repertório, a Sinfônica Brasileira, a Filarmônica de Minas Gerais e a Petrobrás Sinfônica, que vai apresentar a nova ópera de João Guilherme Ripper, Piedade. Ripper, como Chapela e André Mehmari darão masterclasses e terão encontros com o público antes dos concertos. Na lista de grupos de fora, o destaque é o Quarteto Vogler, da Alemanha.

Esculturas ao lado do Auditório Claudio Santoro, em Campos do Jordão
Esculturas ao lado do Auditório Claudio Santoro, em Campos do Jordão

O Festival de Campos do Jordão também firmou convênios internacionais com quatro destacadas academias de música, que participarão enviando alunos e professores: Royal Academy of Music de Londres (quinteto de metais), Conservatório de Amsterdã (quarteto de cordas e quinteto de sopros), Conservatório Real de Haia (quarteto de cordas) e Peabody Institute dos Estados Unidos (quarteto de cordas). Esses alunos se juntarão aos brasileiros, somando 115 bolsistas – as inscrições para estudantes brasileiros permanecem abertas até 15 de maio. Conforme Marcelo Lopes, “a Fundação Osesp, em sua estreia na organização do Festival, seguirá a mesma linha pedagógica aplicada na Academia da Osesp, com uma orientação intensiva voltada à prática orquestral qualificada”.

A Fundação Osesp também anunciou que os bolsistas não serão mais alojados nas antigas dependências, sempre muito criticadas em razão de suas precariedades. Agora, os bolsistas serão hospedados em uma pousada localizada a pequena distância do auditório. As aulas e cursos passarão a ser ministrados no Castelo Chinês, “um espaço agradável e adaptado às necessidades do Festival”, conforme as informações recebidas.

O orçamento para o Festival deste ano é de R$ 6 milhões, sendo R$ 2,5 milhões financiados pelo governo do Estado e R$ 3,5 milhões pelo Bradesco, patrocinador do evento desde 2005.

A QUESTÃO DA DIREÇÃO

Arthur Nestrovski, diretor artística da Osesp, e Marcelo Lopes, diretor executivo, assumem os mesmos postos em Campos do Jordão. Questionado sobre esta centralização de poder de decisão, o secretário de Cultura Marcelo Araújo afirmou que a saída foi necessária neste primeiro momento. “Mas isso não significa que seja a única possibilidade. Já no ano que vem o festival pode ganhar direção própria dentro da estrutura da Fundação Osesp.” Para Lopes, sempre haverá ligação entre o festival e a orquestra. “Mas não há tentativa de agregar poder de maneira vertical.”


Fonte: http://www.estadao.com.br; http://www.concerto.com.br; http://www.festivalcamposdojordao.org.br/